A lógica do automóvel

O ESTV 1ª Edição da TV Gazeta exibiu matéria mostrando o quanto 60 automóveis ocupam das ruas em relação a 60 pessoas, 60 bicicletas e ônibus com 60 pessoas. Os carros avançam sobre os espaços? Ford já dissera em 1913: "Meus carros vão retirar os cavalos, banir as carroças, ocupar as ruas". E foi assim. Ele reinventou a indústria au-tomobilistica, incrementou a produção, barateou e popularizou o carro. Nas antigas polis as ruas eram espaços para os cidadãos. Na cidade do futuro, não haverá pedestres. Hoje rodam aqui mais de 50 marcas e infinidade de modelos e o préço não será problema. O popular chinês vem aí. Com R$ 20 mil compra-se um zerinho. Imaginem quando os indianos vencerem os oligopólios? O preço vai despencar! Mas o problema não é só a quantidade, e sim a perversa lógica do automóvel. Ela inverte tudo. Nas políticas de urbanização desloca prioridades. Observa-se alargamento de calçadas para pedestres? Não. Mas se intervem nas vias adequando-as aos carros. Nos empreendimentos a referência é o automóvel. O impacto à mobilidade é secundário face aos megaestacionamentos num espaço urbano que, por séculos, não tem como crescer. Assim, vai entupindo-se tudo com carros. Na lógica do automóvel, a politica e a economia seguem a reboque da colonização do mercado. O governo incentiva essa lógica quando da redução do IPI. Mas o discurso que quer fincar no imaginário social é que o consumo incrementa a economia, gera emprego, enseja um plus a qualidade de vida. Não é perceptível que as campanhas políticas não se contrapõem â indústria automobilística, antes a decantam como bandeiras da empregabilidade? Não é isso que sinaliza a propaganda pró-montadora chinesa? A lógica do automóvel impõe também à sociedade uma desesperada afirmação de identidade. Há quem não priorize a saúde, mas ostenta um carrão. O automóvel é a invenção moderna que mais se ajusta ao individualismo contemporâneo. Ele se converteu num espaço móvel, onde se goza de privacidade, liberdade e potencialidade. Dentro do carro se sente no útero social, que deve ser protegido.

 

Por ELIAS MUGRABI, Mestre em Educação e Professor da FDV. Publicado no Jonal  A Gazeta em 17/09/2014.

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