A técnica e o discurso

A condição humana é instituída pelo discurso, símbolos e signos verbais que conferem identidades, materializam e respaldam ações. Michel Foucault (1926-1984) já dizia que o discurso não é simplesmente aquilo que traduz os sistemas de dominação, mas um mundo simbólico que dissimula verdades primeiras. Assim, estabeleceram-se hierarquias de existência, e com elas, as barbáries. A história, pois, não é uma construção contínua e unitária, mas um descontinuo passar de tempos dinâmicos. Essa descontinuidade confere ao discurso construções sociológicas e definições de acordo com as relações de força e poder. Partindo desse pressuposto, a ideia de verdade se apresenta como critério de verificação localizado temporalmente. Hoje, o discurso preponderante é o da globalização e respectivos processos a ela vinculados e tem por base motriz a ideia de que as cidades são concebidas para atrair investimentos e renovar a base produtiva a partir da ação conjunta de vários atores. Para os teóricos da globalização, apesar da desigualdade social, da violência e do despreparo de muitas das cidades para receberem as redes técnicas, o futuro da humanidade estaria condicionado a esse novo formato. Neste contexto, o discurso é o elo articulador dos mercados, que materializa de algum modo uma relação antagônica. O discurso é antes de tudo uma técnica. Apenas para ilustrar, no Brasil, indicadores mostram o aumento do número de pessoas alfabetizadas, mas, por outro lado, é reduzido o número de pessoas com capacidade de julgamento e compreensão da informação gerada pela ação. Se contextualizarmos a política capixaba, sua prática discursiva tem o ano de 1990 como divisor de águas entre dois períodos: aquele que estabelece o fim da política tradicional, construída a partir da improvisação do discurso e das relações interpessoais, e um novo período em que a política passa a sustentar-se na profissionalização do discurso que incorpora técnicas estratégicas que envolvem a concepção, o controle e o marketing. A materialização da técnica do discurso é, em especial, o da sedução. Nessa perspectiva, as parcerias privadas, os setores de telecomunicações e as redes sociais são os maiores aliados para efetivação de metas. Em tempos de eleição, importante que nós, eleitores, saibamos que, associado à técnica do discurso, deve-se pautar o princípio da responsabilidade; compreender que a partir da heterogeneidade dos discursos haja uma condição digna de existência e a possibilidade de um saber, uma verdade de aspiração coletiva nele incorporado.

ISABELLA BATALHA MUNIZ BARBOSA é doutora em arquitetura e urbanismo

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