Monopólio da Indignação

Por Gustavo Varella Cabral *

É comum assistir a disputas comerciais, políticas e até afeti vas pela preferência na escolha, no apoio e no coração das pessoas. Também são cada dia mais ferrenhas as discussões sobre religião, futebol, preferência sexual, moda, gosto, enfim, a cultura do litígio nos ataca a todos, uns mais, outros menos. Com o advento das redes sociais uma nova modalidade de disputa entrou em voga: pela primazia da indignação. “É muito mais justo chorar pela lama que entope o rio Doce, ali pertinho, do que pelos mortos em Paris”, dizem uns. “Negativo: o terrorismo e suas vítimas afetam mais diretamente a humanidade que mortandade de peixes e destruição de casas”, defendem outros. Alguns se encolerizam com o extermínio de bebês-foca da Groenlândia, enquanto outros acham isso uma besteira perto do drama sofrido pelos filhos de pais viciados em crack. Como se existisse uma tabela de tragédias ou uma  escala gradual de dramas, ao invés de irmanarem-se todos os seres humanos incomodados e sensíveis com o cada dia maior rol de desgraças que nos afetam a todos, não: deixa-se a verdadeira essência do absurdo de lado e passa-se à briga ferrenha pelo pódio do sofrimento. E isso não é o pior: no auge da discussão, alguns chegam a sublimar a tragédia que afeta o outro em favor da promoção da sua, como se uma família explodida em uma mesa de restaurante em Paris fosse situação menos ou mais dantesca que outra soterrada pela lama no interior de Minas Gerais, isso para usar apenas os exemplos mais recentes. A humanidade - e esse é o grande mal - está perdendo a capacidade de indignar-se não porque nossa sensibilidade diminuiu, mas porque começou a tratar como campeonato o vasto rol de tragédias cada dia mais comuns. A “oferta” é tão grande que parece haver uma classificação preliminar do que é politicamente mais correto de causar-nos dor ou merecer nosso registro. O que é que alguém tem a ver com o fato de o outro se incomodar mais com pintos de granja mortos para evitar a queda de preço do que com o assassinato de crianças sírias pelas tropas do Estado Islâmico? Cada um de  nós temos histórias de vida, formação cultural, visão do mundo e expectativas diferentes, de modo que o que é motivo de felicidade ou de tristeza para uns nada significa para outros. A única coisa que nos irmana a todos, indistintamente, é a condição humana, que anda meio esquecida no calor da disputa.

Publicado em O Metro de 23/11/15

* Gustavo Varella Cabral é advogado, professor, especializado em Direito Empresarial e mestre em Direito Constitucional

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