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Segundo a evolução, aqueles que melhor se adaptam às adversidades prevalecem em seu meio e mantêm-se em constante processo de desenvolvimento. Nessa lógica, o passar do tempo a humanidade deveria aprimorar ainda mais sua inteligência, seu contato com o ambiente e, principalmente, sua relação interpessoal. Em outras palavras, seríamos cada vez mais civilizados, deixando para trás os maus costumes do passado.

Devido a esses avanços vários absurdos de nossa existência deveriam ser, também, abolidos. Ao olharmos para trás. seria natural nos espantarmos com os erros de outras épocas. Mas o que vemos é nossa espécie caminhando no sentido inverso, imersa na barbárie.

Em termos humanos, poucos anos são capazes de transformar nossa relação com o mundo. Mas se hoje recebêssemos um cidadão da idade média em nosso meio, ele se sentiria familiarizado com algumas práticas.

Não lhe seria estranho, por exemplo, ver um prisioneiro ser queimado vivo. Em sua época, a fogueira executava os infiéis e divulgava-se o feito em praça pública; hoje, sob o pretexto de também combater os inimigos, a brutalidade dos tempos medievais corre pela intemet.

Ainda sobre o terror, o homem do passado logo lembraria do século XIII, quando crianças eram comercializadas como escravas no mar Mediterrâneo. Agora, porém, além de mercadoria, crianças de 11 anos são vendidas como escravas sexuais no Estado Islâmico e outras, segundo a ONU, servem aos deleites assassinos do grupo, sendo enterradas vivas ou, ainda, crucificadas.

A decapitação também anda em alta no nosso retrocesso. Em forma de tortura, o crime ocorre lentamente com a intenção de propagar o medo. Parece absurdo, mas alguns atentados ja não nos impressionavam mais. Alguém se lembra quando um carro bomba foi notícia pela última vez? Agora a milenar técnica do Estado islâmico rompe nossa anestesia diante dos últimos instantes de vida daqueles que se ajoelham perante seus carrascos.

A perseguição aos homossexuais também caminha de encontro a um passado repleto de ignorância. No século XIII os gays condenados pelas autoridades religiosas tinham seus órgãos genitais amarrados e eram açoitados nus pelas ruas. Para os maiores de 33 anos, a pena era a morte. Já no sendo XXI, os homossexuais são espancados no Quênia, pegam prisão perpétua na Uganda e pena de morte na Nigéria. Nas palavras das autoridades locais, ser gay é uma "anormalidade abominável".

Nosso amigo da idade média também não notaria evolução quanto à participação das mulheres em algumas sociedades. No Afeganistão, dezenas tiveram os dedos decepados por pintar as unhas; viúvas, sem poderem trabalhar, dependem de esmola ou simplesmente passam fome; e as meninas são condenadas ao analfabetismo, pois não podem ir à escola.

Hoje, embora os séculos tenham se passado, provamos que a evolução da humanidade não seguiu seu curso. Junto disso, a história se mostra cíclica numa repetição de erros que somos incapazes de aprender. O século XX foi palco dos piores conflitos bélicos da humanidade: a 1ª e a 2ª Guerras Mundiais. O medo nuclear estendeu-se por toda a Guerra Fria e a intolerância escreveu capítulos com sangue. Hoje. enquanto ainda iniciamos os primeiros tempos do século XXI, estamos à beira de guerras sem precedentes e o radicalismo político e religioso deixa-nos vendados à caminho do desconhecido.

A evolução da espécie deveria levar-nos ao aprimoramento da produção intelectual, científica e artística. Contudo, otimizamos o tempo em busca do prático, descartável e atraente aos ouvidos da massa. Sem a intenção de fazer pensar, a cultura do 3º milênio promove com louvor o individualismo que forma jovens vazios de tudo e cheios de si. Abrem-se. assim, as portas para a intolerância que nos faz regredir no tempo.

O silêncio dos bons, já diria Luther King, ainda cria cúmplices igualmente responsáveis pelas insanidades de nosso tempo. Se os bons se calam, os loucos fazem a festa, tomam-se líderes e conduzem a humanidade. E assim, inauguramos, juntos, um novo sistema econômico, político e social do qual todos somos vitimas e réus confessos: a indomável idiocracia.

 

GABRIEL TEBALDI tem 21 anos e é graduado em História pela UFES. Publicado em A Gazeta no dia 07/02/2015.

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