Você vai de quê?

De muitas lembranças da minha infância a que me marca até hoje é o percurso que eu e minha mãe fazíamos de ônibus para a casa das minhas tias

Era tão bom não admirar um visual da Ilha e suas construções, mas também era um momento em que, muitas vezes, estar ali naquele transporte grande e cheio de lugares, dava uma sensação de poder (acho que as crianças sentem um pouco disso). Sensação que também acalentava o coração. Estar com sua mãe, protegida e curtindo o passeio.

Mas nem de longe.... se falava em ônibus adaptado para cadeirantes, esse tema era algo que se quer sabiam que um dia poderia existir. Na época não era cadeirante, de modo que eu também nunca pensaria nesse tipo de transporte.

Mas hoje eles existem e as contradições também – Em evidência desde a explosão de protestos pelo Brasil com o intuito de reivindicar a melhoria e o aumento das tarifas, o tema transporte público é assunto em qualquer roda de conversas. E não é um problema de agora. Por isso, a questão da mobilidade urbana, ligada à má qualidade de serviços, aos preços altos, a falta de gestão e o não cumprimento da lei é um bom artigo para hoje, não acha?

Vamos lá – uma década para se ajustar – Desde 2014 a frota de ônibus e trens do Brasil deveria estar adaptada ou acessível para permitir o acesso das pessoas com deficiência. As empresas tiveram 10 anos – isso mesmo – para se preparar, mas não conseguiram. Os flagrantes das dificuldades enfrentadas pelas pessoas – todas – e a falta de acesso se repetem em várias cidades do País.

Em 2004, o Decreto 5.296 estabeleceu o prazo de até 2 de dezembro de 2014 para que todos os veículos que fazem parte do transporte coletivo urbano e rodoviário tenham acessibilidade para pessoa com deficiência. De acordo com a lei, são considerados acessíveis todos os ônibus com piso baixo e rampa de acesso, elevador ou ainda com acesso em nível em pontos de parada elevados (nem de longe é o caso de Vitorinha).

Realidade dura – Dá para entender que o sistema de transporte urbano está longe de atender com qualidade a população, principalmente nas grandes cidades. Uma pesquisa apontou a falta de planejamento urbano e a insuficiência de investimentos como as principais razões. De todo modo, se a lei de acessibilidade fosse cumprida à risca, a partir de 2015, nenhum cidadão com deficiência passaria pelos constrangimentos que diariamente – aqui e em muitas capitais – ainda passa.

Mas há os que conseguem! Recentemente, o município do Guarujá (SP) entrou para o topo da lista dos municípios preocupados com a questão de acessibilidade e mobilidade urbana. A cidade atingiu a marca de 100% da frota de ônibus completamente adaptada para pessoas com deficiência. E que sirva de inspiração para outros lugares.

Falando em outros lugares... No Rio de Janeiro, 76% dos coletivos já estão preparados. Só no fim de 2015 a frota será toda acessível. Na capital paulista, o percentual é quase o mesmo do Rio, 75,8%. A acessibilidade total será alcançada à medida que a frota for renovada. Em Belo Horizonte, 89% dos ônibus estão adaptados. Em Teresina, o índice de cobertura é de 37%.

E aqui? Como estamos? Em Vitória não podemos esquecer que melhoramos muito neste quesito haja vista que o sistema de táxis acessíveis funciona muito melhor que em outras capitais. Ufa! Mas no que se refere aos ônibus parece que estacionamos um pouco e a lei lá de 2014 ainda não foi cumprida. Oh, céus! Ao todo, existem 209 ônibus adaptados, o que corresponde a 67,5% da frota municipal. Cadê o restante? Não estamos falando do serviço porta-porta, ok? Isso é outro assunto.

Queremos mudança – e ela exige mobilização pública, é preciso planejar com competência uma região mais humanizada e acessível para todos. Não estou falando daquela sensação que relatei lá no início sobre a minha infância, talvez ela nunca mais seja a mesma, mas é preciso evitar a tragédia diária pela qual passamos: ônibus lotados, os intermináveis congestionamentos no trânsito, vias e calçadas inacessíveis para cadeirantes, cegos e idosos, buracos, falta de ciclovias, tarifas altas e motoristas despreparados. E 2015 está na metade....


Mariana Reis – Consultora em acessibilidade
Jornal A Tribuna – 23 de junho de 2015
Coluna Livre Acesso
 

Tags:

Leia também