UM DEVER IGNORADO

A democracia requer uma sociedade vigilante e responsável. Seja na política, na igreja, no supermercado ou na loja de brinquedos.

 

É cada vez mais difícil saber onde foi parar a nossa capacidade de questionar as coisas, de reagir mais ao que acontece ao nosso redor. Digo “nossa” e “nosso” porque, em algumas situações, também me pergunto se deveria ser menos passivo. Se deveria, por exemplo, deixar de fazer compras em um supermercado já fechado pela Secretaria de Estado da Fazenda por sonegação de impostos.

Outras perguntas surgem da memória: não deveria cancelar o serviço de certa empresa de telefonia celular – campeã em reclamações nos Procons – e ignorar também determinada loja de brinquedos, flagrada pelo Fisco estadual?

São inúmeros os exemplos. Se um supermercado ou uma loja sonegam, o dinheiro público faz muita falta. Cenas de postos de saúde lotados de pacientes – impacientes com a lentidão no atendimento – ocorrem quase diariamente. Nas ruas, é flagrante a falta de um efetivo ideal para a Polícia Militar. Ou seja, na ponta da linha, quem sofre é o cidadão, o mesmo que parece não ligar para a falta de ética e de compromisso público de quem é alvo de denúncias e suspeitas.

Escândalos não surgem à toa. Toda pessoa, ou empresa, tem o direito de se defender e precisa de espaço para apresentar seus argumentos. Mas, na imensa maioria dos casos, não é preciso esperar o fim dos processos para perceber que algo errado realmente aconteceu.

Quando surgem nos jornais, as gravações, as imagens e os documentos de muitas investigações apontam, quando pouco, atitudes suspeitas. Ainda assim, e ainda que empresas acusadas não mudem de comportamento, que partidos não excluam suas maçãs podres, que alguns chefes de igrejas deixem claro que seu objetivo é desviar o dízimo dos fiéis, o que se vê por aí é a passividade absoluta por parte de muitas pessoas.

Na sexta-feira, dia 8, mais de 200 pessoas foram ao Centro de Convenções assistir à palestra de um ex-ministro do governo Lula, e uma pergunta ficou no ar: o público foi pequeno ou grande?

Considerando que ali estava um líder político de envergadura nacional, o número indicava claro desprestígio. Mas, tratando-se de um mensaleiro já condenado pelo Supremo Tribunal Federal, como chefe de quadrilha, a primeira impressão muda de figura.

A todo cidadão é dado o direito de duvidar dos fatos, de questionar a imprensa, de apostar em teorias conspiratórias e de acreditar em perseguições sem sentido. Democracia é sinônimo de divergência, e assim deve ser. A liberdade, porém, não é brincadeira. Requer uma sociedade vigilante, participativa e responsável, seja na política, na igreja, no supermercado ou na loja de brinquedos.

 

TEXTO: EDUARDO CALIMAN (Extraído do jornal A Gazeta - 28/03/2013, Editoria: Opinião, Página 17).

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