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Tem gente que acha que marcar território é urinar pra fora. Isso pode ser verdade num estágio animal, mas não pode ser verdade num estágio civilizado. Ora, nós pessoas com deficiência queremos sim demarcar nosso território pela nossa ação firme em busca de cidadania e não pela exposição ao ridículo que esses vasos sanitários com buracos provocam.

É lamentável, desastroso para dizer o mínimo, que ainda confundam deficiência com doença. Essa confusão é tão forte que insistem em trazer os vasos dos hospitais para os espaços públicos como shoppings, aeroportos, escolas, hotéis e até restaurantes. Esse acessório aterrorizante está se alastrando cada vez mais nos banheiro ditos "adaptados" ou "acessíveis" e ninguém sabe ao certo a utilidade dele. Mas todos reconhecem que esse tipo de bacia sanitária causa insegurança e risco para a integridade física, e que a instalação tem que ser proibida em lugares públicos já que esse modelo não permite o apoio total das pernas, e causa acidentes e torções.

Bom para quem? - procurei pesquisar melhor em sites e blogs em busca de alguma explicação, mas o que se lê em todos os lugares é a reclamação dos usuários. Até quem não tem deficiência reclama ao ver a urina escorrer para fora do vaso com buraco. Dizem que a origem pode ser a ne-cessidade hospitalar de uni acompanhante auxiliar na higiene do paciente. Ou seja, isso pode até funcionar lá dentro na internação e não aqui fora onde todos tem o direito de viver plenamente.

A situação é tão alarmante que a empresa Duratex S.A, fabrican-te dos produtos da marca Deca, acatou a recomendação do Mi-nistério Público Federal de Minas Gerais para alterar publicidade relativa à bacia sanitária com abertura frontal, anunciada até então como o modelo mais ade-quado a pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida.

Os anúncios passaram a explicar que o modelo com abertura frontal é recomendado apenas para hospitais, clinicas e residências "onde o usuário tem a companhia de uma pessoa para auxiliá-lo na higienização".

Outra frente de atuação do MPF diz respeito aos órgãos públicos que possuem esse tipo de vaso sanitário já instalado em seus banheiros, que no prazo de 180 dias adotem medidas necessárias para a substituição das bacias por modelos sem abertura frontal. Já em São Paulo a Comissão Permanente de Acessibilidade (CPA) baixou uma resolução proibindo a abertura frontal nos vasos.

Melhor seria prevenir — ou, pelo menos, fazer uma consultoria correta e séria antes de empenhar todo essa energia em algo longe do ideal. E surreal que nos dias de hoje se tenha uma resolução para proibir um tipo de vaso que é extremamente prejudicial. E um erro que sai muito caro para todos, mas principalmente para as pessoas com deficiência. É necessário que os Conselhos de Engenharia e Arquitetura colaborem para difundir e esclarecer o assunto junto aos seus profissionais. E que sigam e apliquem de forma efetiva o estabelecido na NBR: ABNT 9050, a qual não contempla a tal abertura frontal. Cadê o fiscal? — Prefeituras devem exercer o seu papel de fiscalizadoras, não permitindo que pro-jetos sejam aprovados sem o cumprimento das normas de acessibilidade.

"Nada Sobre Nós Sem Nós", esse e um dos lemas mais fortes do movimento das pessoas com deficiência, marco da autonomia e do empoderamento e um dos princípios gerais da Convenção Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Que todo esse desconforto sirva de alerta para entender e praticar mais e melhor esse princípio. Afinal, já encontramos pedras em forma de outros buracos ao longo de nossos trajetos diários e não são nada poéticos, acreditem. Não precisamos de mais esse - impávido e ameaçador em branca porcelana né?

 

MARIANA REIS é consultora em acessibilidade

(Publicado no Jornal A Tribuna - ES em 18/03/2014)

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